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POLÊMICAS RELACIONADAS AO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE

Atualizado: 15 de mar. de 2023

Publicado em 08/10/2015*


Sumário: 1. Aspectos polêmicos sobre o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, 2. Aspectos polêmicos sobre o direito real de habitação do companheiro sobrevivente, 3. Referências.


1. Aspectos polêmicos sobre o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente

O direito real de habitação possui previsão no artigo 1.831 do Código Civil, que estabelece que ao “cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

Ao analisarmos a previsão legislativa descrita observamos que a instituição do direito real de habitação acaba por ser um instrumento criado pelo legislador para que o cônjuge sobrevivente não venha a ser abandonado pelos demais herdeiros, logo, almeja a previsão existente fornecer amparo material ao cônjuge, vez que lhe garante um local para residir de forma digna, sem que sofra qualquer espécie de turbação ou esbulho pelos demais herdeiros.

Portanto, o direito real de habitação foi instituído pelo legislador como uma proteção ao cônjuge sobrevivente, nos moldes do que leciona inclusive Sílvio de Salvo Venosa, que ao tratar do assunto declara:

"O intuito foi assegurar um teto ao viúvo ou viúva, se houver um único imóvel residencial na herança. Poderiam os herdeiros, na ausência desse dispositivo, não só entrar na posse direta do bem, como aliená-lo, deixando o pai ou a mãe ao desabrigo".[1]

Assim, extraímos da previsão legislativa que o direito real de habitação consiste em um direito personalíssimo, que será extinto quando o cônjuge sobrevivente vier a falecer.

Superada a questão inerente às razões que levaram o legislador a criar o instituto jurídico descrito, julgamos relevante informar que o Código Civil de 2002 não estabelece a extinção do direito real de habitação caso venha o cônjuge sobrevivente a contrair novas núpcias, ou ainda, passar a conviver em união estável com outra pessoa, circunstância que gerou debates e críticas por praticamente toda a doutrina.

A informação supracitada se justifica pelas lições ofertadas por Silvio Rodrigues, que ao discorrer sobre o tema entende que “seria conveniente que se previsse a extinção do direito real de habitação se o viúvo ou a viúva casar-se novamente ou constituir união estável”.[2]

Por sua vez, Maria Helena Diniz, ao comentar o dispositivo legal entende que esse gerou uma verdadeira lacuna axiológica caso seja aplicado, pois conforme leciona, “não haveria prejuízo aos herdeiros do de cujus, proprietários de imóvel sobre o qual recai o direito real de habitação, que teriam de suportar cônjuge ou companheiro do ocupante?”.[3]

Todavia, julgamos pertinente informar que outros doutrinadores, dentre eles Francisco José Cahali, em sua obra apresentam posicionamento favorável à literalidade da lei, sem deixar de endossar em nota remissiva a existência de entendimentos divergentes, nos moldes do que comprova a transcrição abaixo:

"Na amplitude da ocupação contida no direito de habitação, faculta-se ao beneficiado, inclusive, ali constituir nova família, através de casamento ou união estável, pois não foi renovada a restrição contida na legislação revogada, condicionando o exercício deste benefício ao estado de viuvez".[4]

Salientamos que o posicionamento descrito também é defendido por Sílvio de Salvo Venosa, pois de acordo com o que afirma o autor:

"Interessante notar também que o art. 1.831 do vigente diploma, como enfatizamos, transformou o direito real de habitação em um direito permanente, pois não mais o subordina ao estado de viuvez. Portanto, o novo casamento ou a união estável subsequente do cônjuge supérstite não mais tolherão seu direito real de habitação. Apenas a morte do cônjuge beneficiado fará extinguir esse direito".[5]

Vale ressaltar que os entendimentos doutrinários acima transcritos informaram que as possibilidades de cessação do direito real de habitação não foram renovadas pela atual codificação, vez que o Código Civil de 1916, ao contrário do atualmente vigente, estabelecia tal possibilidade.

A informação supracitada fundamenta-se pela leitura do §2° do artigo 1.611 da legislação revogada, que estabelecia:

§2° Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.

Ante as comparações realizadas, constatamos que a legislação revogada (Código Civil de 1916) era expressa ao determinar que o titular do direito real de habitação que viesse a contrair novas núpcias teria tal prerrogativa extinta, logo, a codificação revogada era expressa no tocante às possibilidades de extinção do direito real de habitação por parte do cônjuge sobrevivente, ao contrário do que ocorre com o código atual, circunstância que acabou por gerar discussões por parte da doutrina.

Dessa maneira, observamos que a omissão da legislação pátria acabou por gerar evidente polêmica, pois não se considera justa e aceitável a não imposição de condições taxativas aptas a determinar em que hipóteses viriam a ocorrer a extinção do direito real de habitação pelo cônjuge sobrevivente.

Sendo assim, diante da lacuna axiológica existente, julgamos necessário recorrer ao estabelecido na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - LINDB, que segundo lecionam André Borges de Carvalho Barros e João Ricardo Brandão Aguirre, consiste em “um conjunto de normas que disciplinam a aplicação e a interpretação das próprias normas jurídicas”.[6]

Ao discorrer sobre as principais funções da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, Maria Helena Diniz as arrola da seguinte maneira:

"(...) regular a vigência e a eficácia das normas jurídicas (arts. 1° e 2°), apresentando soluções ao conflito de normas no tempo (art. 6°) e no espaço (arts. 7° a 19); fornecer critérios de hermenêutica (art. 5°); estabelecer mecanismos de integração de normas, quando houver lacunas (art. 4°); garantir não só a eficácia global da ordem jurídica, não admitindo o erro de direito (art. 3°) que a comprometeria, mas também a certeza, segurança e estabilidade do ordenamento, preservando as situações consolidadas em que o interesse individual prevalece (art. 6°)".[7]

Após analisarmos as funções acima descritas, concluímos que para solucionar a lacuna existente deveremos nos pautar na previsão fornecida pelo artigo 5° da LINDB, que determina que na “aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Assim, ao interpretarmos o artigo 1.831 do Código Civil, sob o prisma do artigo 5° da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, constatamos que a finalidade social a qual se destina o fornecimento do direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente estaria prejudicada se tal pessoa beneficiada pela previsão legislativa viesse a contrair novas núpcias, ou ainda, a conviver em união estável com outrem.

Portanto, entendemos que seria razoável que o cônjuge sobrevivente perdesse o direito real de habitação sobre o único imóvel destinado a residência que fora alvo de inventário, nos casos em que contrair novo matrimônio ou união estável, circunstância esta que por lhe fornecer novamente estabilidade econômica e financeira descaracterizaria a finalidade social que o legislador almejou ao redigir o texto legal.

Ao tecer comentários sobre a omissão praticada pelo legislador, Carlos Roberto Gonçalves declara: “Malgrado a omissão do citado dispositivo, esse benefício, numa interpretação teleológica, perdurará enquanto o cônjuge sobrevivente permanecer viúvo e não viver em união estável”.[8]

Importante se faz ventilar que tentativas de regulamentação da matéria foram realizadas, porém, de modo infrutífero, nos moldes do que leciona Maria Helena Diniz:

"o Projeto de Lei n. 699/2011 pretende modificar a redação do art. 1.831 para: “ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, enquanto permanecer viúvo ou não constituir união estável, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar” (grifo nosso), mas, infelizmente, o Parecer Vicente Arruda não aprovou tal sugestão ao analisar o PL n. 6.960/2002 (substituído pelo PL n. 699/2011), por entender que: “Não há motivos para incluir a exigência de ‘enquanto permanecer viúvo ou não constituir união estável’. Tal inclusão apenas veda que uma pessoa se relacione, não havendo razão para tanto".[9]

Ainda com relação ao direito real de habitação inerente ao cônjuge sobrevivente, julgamos relevante informar que o viúvo ou viúva poderá renunciar ao direito descrito.

Insta salientar que a renúncia narrada deverá ocorrer nos autos da ação de inventário do falecido, ou ainda, através de escritura pública, destacando-se que a renúncia ventilada em momento algum importará em prejuízo na participação do cônjuge sobrevivente na herança deixada pelo de cujus.

Cumpre esclarecer que a possibilidade de renúncia ao direito real de habitação nos autos do inventário, ou ainda, através de escritura pública, foi pacificada através do Enunciado n° 271 do Conselho da Justiça Federal, enunciado este que fora aprovado durante a III Jornada de Direito Civil.

Por sua vez, no tocante ao entendimento jurisprudencial majoritário, constatamos que os tribunais superiores também passaram a adotar o posicionamento de que o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente deverá cessar caso tal pessoa venha a contrair novas núpcias, ou ainda, passar a conviver em união estável com outrem, entendimento este que pode ser comprovado através do julgado abaixo transcrito:

"Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. IMISSÃO NA POSSE. DIREITO SUCESSÓRIO. REGIME CONVENCIONAL DE SEPARAÇÃO DE BENS. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO QUE INDEPENDE DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 1831 DO CÓDIGO CIVIL, AINDA QUE O DE CUJUS NÃO TENHA SIDO O EXCLUSIVO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. É garantido ao cônjuge sobrevivente, independente do regime de bens estabelecido para o seu casamento, o direito de permanecer habitando no imóvel destinado à residência da família, desde que este fosse o utilizado pelo casal como moradia. Tal norma visa preservar o direito do cônjuge supérstite a viver com a mesma dignidade que desfrutava durante a vigência do casamento, extinto pelo óbito, impedindo, assim, que a partilha lhe retire tal condição. Direito real de habitação do agravado que somente se extingue com a morte ou com o advento de novo casamento ou união estável, o que não foi demonstrado nos autos. Frise-se que o cônjuge só poderá continuar a morar no imóvel, mas não poderá, seja a que título for, transferir a sua posse direta, onerosa ou gratuitamente. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal. VOTO pelo CONHECIMENTO e DESPROVIMENTO do recurso. (Apelação n° 0371433-71.2009.8.19.0001, Relator: Cezar Augusto Rodrigues Costa, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Oitava Câmara Cível, Data de julgamento: 11/03/2014, Data de publicação: 14/03/2014)".

Salientamos que o entendimento descrito também pode ser observado pela legislação de outros países, nos moldes do que constatamos ao analisar o Código Civil Argentino, que em seu artigo 3.573 bis[10], determina que o cônjuge sobrevivente terá direito real de habitação de forma vitalícia e gratuita sobre o único imóvel utilizado como residência do casal, lar conjugal este que deverá fazer parte do acervo hereditário deixado pelo de cujus.

Entretanto, o Código Civil Argentino, estipula ainda expressamente em seu artigo 3.573 bis, que o direito real de habitação será extinto na hipótese do cônjuge sobrevivente contrair novas núpcias.

Por outro lado, ao analisarmos a legislação portuguesa, observamos que em Portugal o cônjuge sobrevivente terá direito real de habitação a ser exercido sobre o imóvel residencial de moradia da família, direito este que engloba também os móveis, utensílios e demais objetos inseridos no bem, de acordo com o que estabelece o artigo 2.103-A[11] do Código Civil Português.

Destaca-se ainda que a legislação portuguesa adota a cautela de prever que na hipótese do imóvel residencial não fazer parte do acervo hereditário do de cujus, será facultado ao cônjuge sobrevivente direito a ser exercido em face dos bens e utensílios instalados no imóvel, previsão esta que é fornecida pelo artigo 2.103-B[12].

Tratadas as questões inerentes ao direito real de habitação facultado ao cônjuge sobrevivente, julgamos necessário discorrer sobre outra polêmica vinculada ao tema, essa que diz respeito à possibilidade de ser concedido o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, tema este que será abordado pormenorizadamente no próximo capítulo.


2. Aspectos polêmicos sobre o direito real de habitação do companheiro sobrevivente

Para analisarmos o tema proposto necessário se faz recorrermos não apenas ao Código Civil, mas também ao texto constitucional e à Lei n° 9.278/96, que se prestou a regular o §3° do artigo 226 da Constituição Federal.

As considerações expressas no parágrafo acima se justificam pelo fato de que apesar do Código Civil de 2002 ter determinado a aplicabilidade do direito real de habitação apenas ao cônjuge sobrevivente (CC, art. 1.831), a Constituição Federal em seu artigo 226, §3°, ao adotar a família como a base da sociedade apta a receber proteção especial do Estado, reconhece “a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”.

Além do mais, a Lei n° 9.278/96, que se prestou a regular o dispositivo constitucional acima narrado, determinou em seu artigo 7°, parágrafo único, que “dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”.

Portanto, ao analisarmos em conjunto os dispositivos legais acima descritos, principalmente o relacionado à norma especial (Lei n° 9.278/96), concluímos que existe previsão legislativa para que o direito real de habitação seja exercido também em benefício do companheiro, apesar do Código Civil de 2002, que se trata da norma geral a regulamentar a matéria ter restringido a concessão de tal prerrogativa apenas ao cônjuge, nos moldes do que fora exposto.

Vale ressaltar que ao discorrer sobre o embasamento legislativo, Maria Helena Diniz leciona:

"(...) o companheiro sobrevivente, por força da Lei n. 9.278/96, art. 7°, parágrafo único, e, analogicamente, pelo disposto nos arts. 1.831 do CC e 6° da CF (Enunciado n. 117 do STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002), também terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família (...). Diante da omissão do Código Civil (norma geral), o art. 7°, parágrafo único daquela Lei estaria vigente, no nosso entender, por ser norma especial".[13]

Entretanto, julgamos relevante informar, que da mesma forma como observamos ao estudar o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, divergências doutrinárias também foram evidenciadas com relação à possibilidade de ser concedido o direito descrito ao companheiro sobrevivente.

Destacamos que a polêmica descrita foi elencada principalmente por Francisco José Cahali, que entende que pelo fato do Código Civil de 2002 ter regulamentado de modo completo a matéria ora ventilada, deveriam ser considerados revogados todos os efeitos sucessórios atrelados a normas anteriores, destacando-se entre elas inclusive o artigo 7°, parágrafo único da Lei n° 9.278/96.

Insta salientar que o entendimento supracitado, que fora formulado por Francisco José Cahali, pode ser comprovado através da leitura do texto abaixo transcrito:

"(...) parece-nos ter dado o legislador de 2002 sinais evidentes de afastar a união estável do casamento na seara sucessória. Se assim é, e sendo omisso quanto àqueles direitos, consideramos ter sido intencional restringir a participação do companheiro sobrevivente aos limitados termos do art. 1.790".[14]

Dessa maneira, para Francisco José Cahali, o direito real de habitação seria apto a ser concedido ao companheiro sobrevivente apenas antes da entrada em vigor do atual Código Civil, afirmação esta que pode ser extraída da leitura do seguinte ensinamento: “(...) apenas como registro, temos a posição inclinada no sentido de que ambos os efeitos sucessórios (usufruto e habitação) devem ser aplicados, para as sucessões abertas na legislação revogada (...)”.[15]

Diante dos posicionamentos arrolados, concluímos se tratar de uma questão polêmica, haja vista a caracterização de uma antinomia de segundo grau, vez uma das correntes doutrinárias se lastreia no fato de que a norma posterior (Código Civil de 2002) seria a aplicável, enquanto que a outra corrente sustenta o entendimento que tal aplicabilidade não seria admitida por força da especificidade da Lei n° 9.278/96, que apesar de anteceder o Código Civil atual versa especificamente sobre a matéria.

Assim, a polêmica descrita seria evidenciada pela antinomia existente entre o critério cronológico e de especialidade entre as legislações aplicáveis ao tema, ou seja, entre o Código Civil de 2002 e a Lei n° 9.278/96.

Ao discorrer sobre a antinomia descrita, Maria Helena Diniz leciona:

"(...) antinomia entre o critério de especialidade e o cronológico, para a qual valeria o metacritério lex posterior generalis non derogat priori speciali, segundo o qual a regra de especialidade prevaleceria sobre a cronológica. Com isso, a Lei n. 9.278, seria a mais forte, ante o princípio da especialidade. A metarregra lex posterior generalis non derogat priori speciali, não tem valor absoluto (...). A preferência entre um critério e outro não é evidente, pois se constata uma oscilação entre eles.(...). Ante a dúvida, surgirá, então, uma antinomia real de segundo grau ou lacuna de conflito (...)".[16]

Ante o exposto, resta devidamente comprovada a questão polêmica vinculada à antinomia de segundo grau existente ao discorrermos sobre o direito real de habitação em benefício do companheiro sobrevivente.

Portanto, julgamos necessário sanar tal antinomia, circunstância que exige que venhamos a recorrer novamente à Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, que de acordo com o que já fora analisado no curso do presente trabalho se revela como a norma apta a sanar tais divergências.

Cumpre esclarecer que no presente caso recorreremos às previsões fornecidas pelos artigos 4° e 5° da LINDB, já que uma vez presente a ausência de critérios para solucionar a antinomia existente, deveremos optar por escolher a previsão mais justa.

Vale ressaltar que ao seguirmos o princípio da suprema justiça deveremos nos atentar à escolha da norma que atenda da melhor maneira possível os objetivos sociais inerentes a ela, logo, a legislação a ser aplicada, necessariamente se reportará aos interesses basilares presentes na sociedade contemporânea.

Ao tratar da resolução da antinomia de segundo grau constatada, Maria Helena Diniz dispõe:

"Portanto, excepcionalmente, o valor justum deve lograr entre duas normas incompatíveis, fazendo com que prevaleça a ideia da permanência do art. 7°, parágrafo único, da Lei n. 9.278/96, aplicando-se por analogia (LINDB, art. 4°) o disposto no art. 1.831 do Código Civil, em busca do justo (LINDB, art. 5°; CF, arts. 6° e 226, §3°), atendendo-se, também, o direito à moradia (EC n. 26/2000)".[17]

Desse modo, restaram devidamente comprovados os motivos que fizeram com que parte da doutrina se posicionasse favoravelmente à concessão do direito real de habitação ao companheiro sobrevivente.

A informação supracitada se fundamenta principalmente pela solução fornecida à antinomia de segundo grau, esta que acabou por gerar evidente polêmica dentre os operadores do direito.

Além do mais, destacamos que a divergência doutrinária ora comentada foi alvo de tentativas de regulamentação, que provavelmente solucionarão a polêmica de modo definitivo.

Insta salientar que ao discorrermos sobre a regulamentação da matéria nos reportamos novamente ao Parecer Vicente Arruda, que fora analisado através do PL n° 6.960/02, que por sua vez, foi substituído pelo PL n° 699/11.

Destacamos que o PL n° 699/11 almeja alterar de modo significativo o artigo 1.790 do Código Civil de 2002, vez que inseri um parágrafo único ao dispositivo legal que assegurará ao companheiro sobrevivente, sem prejuízo de participação na herança, o direito real de habitação sobre o bem imóvel destinado à residência da família.

Salientamos ainda, que o parágrafo único a ser inserido no artigo 1.790 do Código Civil mantém inclusive a mesma ressalva existente para os casos de concessão do direito real de habitação aos cônjuges sobreviventes, pois estabelece que o imóvel destinado à residência familiar sobre o qual recairá o direito real de habitação em benefício do companheiro sobrevivente deverá ser o único daquela natureza a ser inventariado.

Diante das análises realizadas no curso do presente trabalho, podemos concluir que ao menos para a corrente majoritária, o direito real de habitação será concedido em benefício do cônjuge, bem como do companheiro sobrevivente, sem prejuízo de participação na herança, sendo que tal direito recairá sobre o bem imóvel destinado à residência familiar, desde que seja tal bem o único daquela natureza a ser inventariado.

Acerca das declarações prestadas no parágrafo acima, relevantes se demonstram as considerações formuladas por Carlos Roberto Gonçalves, que ao concluir seus estudos sobre o tema declara:

"O Superior Tribunal de Justiça decidiu que, se duas pessoas são casadas em qualquer regime de bens ou vivem em união estável e uma delas falece, a outra tem, por direito, a segurança de continuar vivendo no imóvel em que residia o casal, desde que este seja o único a inventariar e mesmo que o inventário tenha sido aberto antes do atual Código Civil (...) uma interpretação que melhor ampara os valores espelhados pela Constituição Federal é a que cria uma moldura normativa pautada pela isonomia entre a união estável e o casamento".[18]

Por fim, com o intuito de justificarmos de maneira plena que a corrente majoritária adota o posicionamento de que o companheiro também terá concedido em seu favor o direito real de habitação, julgamos importante transcrever um recente julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, entendimento este que segue abaixo transcrito:

"DIREITO DAS SUCESSÕES E DAS COISAS. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO. VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. MANUTENÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.831 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. 1. É entendimento pacífico no âmbito do STJ que a companheira supérstite tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do falecido onde residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil. Precedentes. 2. É possível a arguição do direito real de habitação para fins exclusivamente possessórios, independentemente de seu reconhecimento anterior em ação própria declaratória de união estável. 3. No caso, a sentença apenas veio a declarar a união estável na motivação do decisório, de forma incidental, sem repercussão na parte dispositiva e, por conseguinte, sem alcançar a coisa julgada (CPC, art. 469), mantendo aberta eventual discussão no tocante ao reconhecimento da união estável e seus efeitos decorrentes. 4. Ademais, levando-se em conta a posse, considerada por si mesma, enquanto mero exercício fático dos poderes inerentes ao domínio, há de ser mantida a recorrida no imóvel, até porque é ela quem vem conferindo à posse a sua função social. 5. Recurso especial desprovido. (REsp 1203144 / RS, Recurso Especial 2010/0127865-4, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Órgão Julgador: T4 - Quarta Turma - STJ, Data do Julgamento: 27/05/2014, Data da Publicação/Fonte: DJe 15/08/2014)".

Salientamos que a concessão do direito real de habitação em favor do companheiro sobrevivente também pode ser observada pela legislação portuguesa, que através do artigo 5° da Lei n° 06/2001, estabelece que “em caso de morte da pessoa proprietária da casa de morada comum, as pessoas que com ela tenham vivido em economia comum há mais de dois anos nas condições previstas na presente lei têm direito real de habitação sobre a mesma, pelo prazo de cinco anos, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda”.

Ante as considerações ofertadas, observamos que a legislação portuguesa apresenta uma tutela ainda mais ampla do que a utilizada no Brasil, vez que além de estabelecer o direito real de habitação, determina o prazo pelo qual tal prerrogativa persistirá, bem como estipula direito de preferência em benefício do companheiro sobrevivente.

Ao prosseguirmos com a análise da legislação estrangeira eleita para fins de comparação, constatamos que Portugal, através do artigo 05°[19] da Lei n° 07/2001, reitera as previsões elencadas pela Lei n° 06/2001, além de estabelecer diversas outras regras aptas a resguardar ao companheiro sobrevivente o direito real de habitação.

Sendo assim, resta superada a análise doutrinária, legislativa e jurisprudencial acerca da polêmica existente em torno da sucessão no direito real de habitação em benefício do cônjuge e do companheiro sobrevivente.


3. Referências

AGUIRRE, João Ricardo Brandão; BARROS, André Borges de Carvalho. Elementos do Direito. 2. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2009.

CAHALI, Francisco Jose; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das sucessões. 5ª ed. ver. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

-----. Curso de direito civil brasileiro, volume 6: direito das sucessões. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7: direito das sucessões. 8. Ed. São Paulo: Saraiva 2014.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões, volume 7. 26ª ed. ver. e atual. por Zeno Veloso; de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2006.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, volume 7. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

<http://www.ligiera.com.br/codigos/cc_portugues.pdf> Acesso realizado em: 06/05/2015.


[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, volume 7. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 140. [2] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões, volume 7. 26ª ed. ver. e atual. por Zeno Veloso; de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 116. [3] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 6: direito das sucessões. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 162. [4] CAHALI, Francisco Jose; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das sucessões. 5ª ed. ver. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 203. [5] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, volume 7. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 141. [6] AGUIRRE, João Ricardo Brandão; BARROS, André Borges de Carvalho. Elementos do Direito. 2. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2009, p. 21. [7] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 74. [8] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7: direito das sucessões. 8. Ed. São Paulo: Saraiva 2014, p. 185. [9] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 6: direito das sucessões. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 162. [10] Art. 3.573 bis. Si a la muerte del causante éste dejare un solo inmueble habitable como integrante del haber hereditario y que hubiera constituido el hogar conyugal, cuya estimación no sobrepasare el indicado como límite máximo a las viviendas para ser declaradas bien de familia, y concurrieren otras personas con vocación hereditaria o como legatarios, el cónyuge supérstite tendrá derecho real de habitación en forma vitalicia y gratuita. Este derecho se perderá si el cónyuge supérstite contrajere nuevas nupcias. [11] Art. 2103º-A (Direito de habitação da casa de morada da família e direito de uso do recheio) 1. O cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver. 2. Salvo nos casos previstos no nº 2 do artigo 1093º, caducam os direitos atribuídos no número anterior se o cônjuge não habitar a casa por prazo superior a um ano. 3. A pedido dos proprietários, pode o tribunal, quando o considere justificado, impor ao cônjuge a obrigação de prestar caução. [12] Art. 2103º-B (Direitos sobre o recheio) Se a casa de morada da família não fizer parte da herança, observar-se-á, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior relativamente ao recheio. [13] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 6: direito das sucessões. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 179. [14] CAHALI, Francisco Jose; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das sucessões. 5ª ed. ver. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 221. [15] Ibidem, p. 210. [16] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 6: direito das sucessões. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 180. [17] Ibidem, p. 181. [18] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7: direito das sucessões. 8. Ed. São Paulo: Saraiva 2014, p. 185 e 186. [19] Art. 5º (Protecção da casa de morada da família em caso de morte) 1 - Em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada da família e do respectivo recheio, o membro sobrevivo pode permanecer na casa, pelo prazo de cinco anos, como titular de um direito real de habitação e de um direito de uso do recheio. 2 - No caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os direitos previstos no número anterior são conferidos por tempo igual ao da duração da união. 3 - Se os membros da união de facto eram comproprietários da casa de morada da família e do respectivo recheio, o sobrevivo tem os direitos previstos nos números anteriores, em exclusivo. 4 - Excepcionalmente, e por motivos de equidade, o tribunal pode prorrogar os prazos previstos nos números anteriores considerando, designadamente, cuidados dispensados pelo membro sobrevivo à pessoa do falecido ou a familiares deste, e a especial carência em que o membro sobrevivo se encontre, por qualquer causa. 5 - Os direitos previstos nos números anteriores caducam se o interessado não habitar a casa por mais de um ano, salvo se a falta de habitação for devida a motivo de força maior. 6 - O direito real de habitação previsto no n.º 1 não é conferido ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família; no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto incluem-se os concelhos limítrofes. 7 - Esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o membro sobrevivo tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário, nas condições gerais do mercado, e tem direito a permanecer no local até à celebração do respectivo contrato, salvo se os proprietários satisfizerem os requisitos legalmente estabelecidos para a denúncia do contrato de arrendamento para habitação, pelos senhorios, com as devidas adaptações. 8 - No caso previsto no número anterior, na falta de acordo sobre as condições do contrato, o tribunal pode fixá-las, ouvidos os interessados. 9 - O membro sobrevivo tem direito de preferência em caso de alienação do imóvel, durante o tempo em que o habitar a qualquer título. 10 - Em caso de morte do membro da união de facto arrendatário da casa de morada da família, o membro sobrevivo beneficia da protecção prevista no artigo 1106.º do Código Civil.


*O presente artigo encontra-se atualizado até a data da publicação, sendo necessária a observância de eventuais atualizações legislativas e jurisprudenciais, bem como a validação de eventual alteração de posicionamento do autor.

 
 
 

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